China e América Latina no cenário de integração regional e comércio internacional

China e América Latina no cenário de integração regional e comércio internacional

Por Thomas Law Víctor Gabriel Rodríguez*

A consagração da China como potência econômica está transformando grande parte do panorama mundial. Nesse sentido, é importante refletir sobre como nossa relação, brasileira, com a nova distribuição de vozes e riquezas, especialmente sobre algo que guarda conexão muito direta com nossa atividade jurídica: a China, mesmo ocupando a posição de primeira ou segunda economia do planeta e líder em tecnologia de ponta e IA, continua considerando-se como “país em desenvolvimento”. 

Ao contrário de outras nações de maior poder, a China busca o multilateralismo. Em outras palavras, o país asiático aposta que o nosso Sul Global, que tem quase cinco vezes o número de habitantes do centro de poder América do Norte/Europa, não pode seguir alijado das decisões do futuro do planeta. O Sul Global, em grandes linhas, envolve a colaboração entre países do eixo Sul para promover o desenvolvimento econômico, político e social através da partilha de recursos, conhecimento e estratégias de desenvolvimento

A ideia mais imediata é a de que o Brasil deve acelerar seus meios de aliança político-econômica com a China. Aqui, entretanto, entendemos que é importante o diálogo constante da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (COSBAN), que representa o mais alto nível de relacionamento entre Brasil e China, liderados pelos vice-presidentes de ambos os países, que teve sua VII Sessão Plenária realizada em junho deste ano, em Pequim.

A principal ideia é não servir como eterno fornecedor de matéria-prima a preço inexpressivo, desvalorizando nossos recursos e nossa força de trabalho. O objetivo da neoindustrialização brasileira vem em boa hora para abrir novos horizontes e novos investimentos com o maior parceiro comercial do Brasil: a China.  

Antes de buscar a aliança, é imprescindível criar força para o diálogo externo em posição paritária. Vale lembrar a ascensão da China à Organização Mundial do Comércio (OMC), em novembro de 2001, que representou uma importante decisão política do governo chinês de reinserir o país na arena do comércio mundial. De lá para cá, completou uma etapa importante no seu processo de reforma e abertura, e de uma economia rural se tornou uma potente economia digital. O plano “China Digital”, por exemplo, é um importante motor para o avanço da modernização de estilo chinês na era digital que, até 2025, pretende estabelecer as fundações, incluindo a construção de infraestrutura digital (com destaque para redes 5G e internet das coisas) e garantir o estímulo à circulação de fluxos de dados. Outro marco temporal é o ano de 2035, momento em que a China espera consolidar-se como líder mundial de digitalização.    

Já o Brasil, por mais que seja considerado uma grande potência econômica, no cenário internacional será visto sempre como parte de um grupo, o Mercosul. Diferentemente do bloco da União Europeia, o bloco latino tem dificuldade até para fazer reuniões de seus representantes, bem como discutir temas de interesse e relevância para a comunidade latino-americana. 

Na relação com a China, embora haja um comércio veloz, com a exportação de grãos e importação de produtos tecnológicos, não há ainda uma integração na área de políticas públicas. Políticas integradas para tratar de infraestrutura, dos gargalos que encontramos que representam perda de eficiência e concorrência pelos países latinoamericanos. Embora tenhamos problemas de agenda, algo será consenso na reunião da APEC (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico), um bloco formado por 21 países que ocorrerá em novembro no Peru. Um dos principais temas de discussão será o porto de Chancay, cuja construção é financiada pelo projeto Belt and Road Initiative. Ao que consta, o Brasil participará da reunião, dando ensejo a mais diálogo sobre infraestrutura e comércio internacional pensando no desenvolvimento e integração da região Sul Global. 

Essas “novas soluções” integrativas são, em essência, soluções jurídicas. Afinal, diferentemente do comércio direto de produtos, que se regula pelo próprio mercado, a integração regional depende de políticas públicas que demandam normas claras e que não devem partir somente do governo. É tarefa do setor, por meio de instituições potentes como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), organizações de comércio e outros grandes institutos, propor a aprovação de leis que integrem nossa região latina.

Muitas atividades econômicas e sociais estão aguardando respostas normativas, a exemplo do exercício da profissão de advogado no Mercosul, a validação dos diplomas nas mais diversas áreas, as políticas migratórias, o incentivo à pesquisa regional, entre outros exemplos. Também a divulgação e fortalecimento de instâncias como o Parlasur, o Parlatino, o Parlamento Amazônico e o Parlamento Andino (em que o Brasil figura como observador) seriam tarefas do operador do Direito. Menos ainda temos habilitado o jurista para lidar com a arbitragem como solução de conflitos em esfera binacional, bem como a operação em instituições complexas, como os Bancos Multinacionais de Desenvolvimento, o “New Development Bank” (o banco dos BRICS), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) ou o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB).

Essas instituições de desenvolvimento, e mesmo as próprias empresas chinesas, estão repletas de oportunidades para crescimento regional, desde que haja uma capacidade interna de acompanhá-lo. Basta ver o esforço diplomático que faz a China para a construção da sua Nova Rota da Seda (Belt and Road Initiative), tentando promover infraestrutura para o Sul Global, e o “Made in China 2025”, que está cumprindo a promessa de transformar sua produtividade, para que o país abandone definitivamente seu posto de grande fábrica de produtos baratos, para ter a tecnologia de ponta como principal elemento a exportar. 

Quando se analisam os discursos dos líderes chineses, fica claro que, nesse multilateralismo, é essencial a disposição de desenvolvimento em conjunto com o Sul Global, por meio de um plano de infraestrutura interna, que conjuga todo o bloco latino. Aliada à inauguração do Porto Chancay no Peru em 2025, esperamos que os países latino-americanos entendam que é fundamental uma união de bloco para o progresso da região, bem como uma mudança da cultura latinoamericana.

(*) Doutor em Direito e pós-doutorando pela FDRP/USP e presidente do Ibrachina; Professor de Direito Penal da USP/FDRP e membro do Prolam/USP.

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