Adaptação cinematográfica levanta debates sobre violência emocional

Adaptação cinematográfica levanta debates sobre violência emocional

“É Assim que Acaba”, adaptação do livro homônimo de Colleen Hoover finalmente estreou nas telas de cinemas mundiais, e, assim como o livro, a recepção do longa-metragem vem gerando debates a respeito de como as relações abusivas e violência doméstica são representadas nas obras. 

A trama segue a trajetória de Lily Bloom e Ryle Kincaid, casal que vivencia diversas situações de abuso emocional e físico dentro do relacionamento. E assim como o filme, o livro foi também motivo de debate, em 2022, a Domestic Shelters, organização de apoio a vítimas de violência doméstica e relacionamentos abusivos, criticou a autora da obra pela normalidade e glamourização das situações vividas pela personagem. 

Os casos de violência de gênero ao redor do mundo ainda são alarmantes, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 1 em cada 3 mulheres em todo o mundo já sofreu violência física ou sexual por um parceiro íntimo. Dentro de um recorte nacional, as agressões decorrentes de violência doméstica no Brasil aumentaram em 9,8%, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024.

Efeitos da romantização

Para a psicanalista e filósofa Ana Matos, o livro e o filme oferecem uma narrativa que pode ser interpretada como romantização do sofrimento. Ao colocar um foco intenso na complexidade emocional do relacionamento, pode haver uma tendência a minimizar a gravidade e a repetição de comportamentos abusivos

A terapeuta observa que a popularização de tais histórias pode, por um lado, aumentar a conscientização sobre a violência doméstica. No entanto, por outro lado, pode criar uma percepção distorcida de que o sofrimento é parte inevitável de um relacionamento intenso ou apaixonado. "Quando a violência é retratada de forma a criar empatia e simpatia por um agressor, há o risco de que isso normalize ou até romantize comportamentos prejudiciais", explica.

Impacto psicológico e social

O impacto psicológico de obras que abordam esses tópicos pode variar. Para algumas pessoas, a identificação com personagens que enfrentam situações semelhantes pode oferecer um espaço de validação e compreensão. No entanto, para outras — especialmente aquelas que estão em situações de abuso — a exposição a uma representação altamente emocional pode reavivar traumas ou criar confusão sobre o que é aceitável em um relacionamento.

Além disso, a recepção crítica e a análise do livro e filme podem contribuir para discussões mais amplas sobre como a mídia deve abordar temas sensíveis. "É crucial que histórias sobre violência doméstica sejam apresentadas com responsabilidade, evitando tanto a glamourização quanto a trivialização dos temas", enfatiza a psicanalista e autora do livro ‘O Caminho para o inevitável encontro consigo mesmo’.

Influência de relações parentais e quebra de ciclos

Lily, a protagonista, cresce em um ambiente onde o afeto e a violência estão entrelaçados, refletindo a experiência de muitas pessoas que enfrentam relacionamentos abusivos na vida real. A relação dela com o pai, que é distante e emocionalmente ausente, contribui para a vulnerabilidade da personagem ao se envolver com alguém que, a princípio, parece a personificação do amor idealizado, mas acaba revelando-se abusivo.

Na adaptação cinematográfica, é destacado a luta interna de Lily e a dificuldade de romper com padrões destrutivos. E para a psicanalista, as relações familiares, especialmente a dinâmica entre pais e filhos, têm um impacto significativo na forma como os indivíduos percebem e experimentam o afeto. Acabamos buscando na vida adulta aquilo que nos é familiar, o que nos é conhecido, mesmo que seja algo ruim, prejudicial. É importante relembrar que o ambiente em que vivemos representa boa parte de quem nós somos e ele pode afetar nosso desenvolvimento”, afirma a psicanalista. 

Além disso, a Dra. Ana acredita que os jovens que testemunharam ou foram vítimas de violência doméstica na infância têm uma probabilidade maior de se envolver em relacionamentos abusivos na idade adulta.

Ambientes familiares violentos, relacionamento disfuncional entre as figuras paternas interfere nas escolhas futuras dos filhos. Ressalto que mais importante do que se fala e o que se faz, é a dinâmica que se estabelece dentro de uma casa para um desenvolvimento emocional saudável. Como acontece no filme, ela quebra o ciclo, pois não quer que a filha passe por aquilo que ela e a mãe passaram. É ruim para o psicológico da criança ter pais separados? Pode ter certeza que manter uma relação abusiva, disfuncional causa tantos estragos quanto a separação. A pergunta é: qual problema eu quero ter que dar conta”, finaliza a doutora. 

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