"Pesquisa acadêmica precisa incluir as comunidades para que as soluções na educação sejam feitas com equidade", afirma pesquisadora dos EUA

Participaram diversos especialistas, como José Francisco Soares, professor emérito da UFMG e ex-presidente do Inep, e Michael França, coordenador do Núcleo de Estudos Raciais do Insper, com estudos e pesquisas sobre a importância da equidade racial na educação

"Pesquisa acadêmica precisa incluir as comunidades para que as soluções na educação sejam feitas com equidade", afirma pesquisadora dos EUA

Pesquisadores, lideranças educacionais e especialistas dos setores público e privado se reuniram no encontro “Diálogos pela Equidade na Educação: contribuições da pesquisa aplicada”, parceria entre Fundação Lemann, Centro Lemann de Liderança para Equidade na Educação e Núcleo de Estudos Raciais (Neri) do Insper, nesta quinta-feira (22/08), em São Paulo. Eduardo Marino, Gestor de Conhecimento Aplicado do Centro Lemann, abriu o debate compartilhando a razão que fez o evento acontecer: “Temos o sonho de ver a educação básica do Brasil em outro patamar, com qualidade e equidade para todos", explicou.

Durante as boas-vindas do evento, também estavam Daniel De Bonis, diretor de Conhecimento, Dados e Pesquisa na Fundação Lemann, Anna Penido, diretora-executiva do Centro Lemann, e Rodrigo Soares, vice-presidente acadêmico do Insper. De Bonis trouxe a importância e os desafios de olharmos para os dados para discutir políticas de equidade. “O Ideb é um indicador fundamental, mas ele não mostra profundamente as desigualdades”, disse. Já Penido falou sobre como esse tipo de discussão pode beneficiar as lideranças a enfrentarem os principais problemas da educação: “na rede de ensino, existe uma distância entre a realidade e os dados, no que se refere às desigualdades. A possibilidade de oferecer a essas lideranças dados de qualidade é fundamental para que elas deem o salto de qualidade que esperamos”. Soares fechou a mesa: “Buscar igualdade, acesso e qualidade em Educação Básica é a forma mais efetiva de combater, no longo prazo, a maior doença social que existe no Brasil, que é essa persistência da desigualdade ao longo do tempo”, disse.

Foram quatro painéis temáticos de um de apresentação de pesquisas distribuídos ao longo do dia com discussões sobre as diferentes perspectivas que envolvem o papel da pesquisa aplicada no trabalho de quem decide os destinos da educação, para que possa ser acessada por todos os estudantes, sem exceção, combatendo desigualdades educacionais.

A mesa de abertura “Desafios para promover equidade na educação por meio da pesquisa aplicada” discutiu sobre como a pesquisa aplicada deve avançar no Brasil para promover a equidade na educação. Sonya Douglass, professora e pesquisadora do Teachers College, na Universidade de Columbia, e coautora do livro The Politics of Education Policy in an Era of Inequality: Possibilities for Democratic Schooling (“A política da política educacional em uma era de desigualdade: possibilidades para a escola democrática”), chamou a atenção para a importância de um  currículo que não deixe de lado o ensino da história e da cultura afro-americana  nas escolas: “ Estamos lidando com líderes políticos que proíbem livros e o ensino da nossa história, de raça e da verdade. Não podemos deixar que eles determinem as informações que nossos filhos têm acesso. Temos que dialogar para garantir que os representantes que escolhemos lutem pelas causas que nos preocupamos e pelos nossos valores, que inclui o acesso à educação para nossas crianças”. Ela também apontou o fato de a pesquisa acadêmica não olhar para  cor e raça das populações estudadas. “Nos Estados Unidos, grande parte das pesquisas incluem as(os) sujeitas(os) pesquisadas(os), membros das comunidades. Isso é importante para sabermos o que as pessoas precisam, e não só o que a academia indica, e termos as soluções na educação. E, após chegar nesse entendimento, o desafio é o que fazer com essa informação para que a tomada de decisões sejam realizadas no sentido da equidade”, explica.

Para Michael França, coordenador do Núcleo de Estudos Raciais (Neri) do Insper, a educação não irá ajudar a resolver todos os problemas das desigualdades socioeconômicas. “Com a pesquisa aplicada podemos ter um melhor entendimento dos desafios educacionais e de equidade e, com isso, ter orientações direcionadas para o desenvolvimento de políticas públicas mais eficientes no combate à desigualdade. No entanto, os desafios são muitos, como: estudantes tendo que conciliar trabalho e estudo, altas taxas de gravidez, baixo retorno da educação. Por isso, falar com todas as partes interessadas é um grande desafio”.

Martin Carnoy, economista e professor da Universidade de Stanford, trouxe dados que afirmam que o gasto por aluno e o investimento na formação de docentes aumentaram na América Latina nas últimas décadas, mas que o Brasil piorou na desigualdade. “Há seis países com um aumento considerável no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes): Brasil, México, Argentina, Chile, Peru e Uruguai. Os investimentos fizeram com que os resultados no Pisa melhorassem como um todo, porém, no Brasil, observou-se um aumento da desigualdade quando comparamos o desempenho de crianças mais privilegiadas em relação às de baixa renda. Reduzir as desigualdades nas escolas significa moldar os sistemas educacionais. É preciso um esforço coordenado para isso, que só é possível com as condições políticas corretas. Políticas de tributação e investimentos públicos podem apoiar para a redução de desigualdades”.

Estudos sobre desigualdades e gestão escolar

Ainda durante a programação da manhã, cerca de 30 pesquisadores de diferentes instituições e regiões do Brasil compartilharam resultados de 18 pesquisas realizadas no país em três mesas simultâneas, no painel “Pesquisas aplicadas em equidade na Educação Básica”. As sessões foram divididas pelos temas “Gestão de redes municipais de educação e territórios”, mediada por Tatiane Cosentino Rodrigues, pesquisadora da UFSCar e membro do Comitê de Especialistas do Centro Lemann e consultora do Programa de Fomento à Pesquisa Aplicada da mesma instituição; “Dados e indicadores educacionais”, com mediação de Leandro Marino, gerente educacional da Fundação Bradesco e também consultor no Programa de Fomento; e “Gestão pedagógica e ambientes educacionais”, mediada por Fernando Carnaúba, professor assistente em Stanford e cofundador do Instituto Canoa.

Entre as pesquisas inéditas apresentadas no painel, destaca-se o estudo “Gestão das redes de ensino e clima escolar: mapeamento das ações e uma proposta de matriz avaliativa sensível à equidade”, desenvolvido pelo Núcleo de Pesquisa em Desigualdades Escolares da Universidade Federal de Minas Gerais (Nupede/UFMG). A iniciativa teve o apoio do Programa de Fomento à Pesquisa Aplicada do Centro Lemann, que selecionou seis grupos de pesquisa para produzir evidências que apoiem a tomada de decisão de lideranças educacionais e fortaleça a equidade na agenda de educação brasileira.

O trabalho concluiu que 45,7% das secretarias estaduais e municipais de educação avaliadas no país estão “parcialmente estruturadas” para gerir o clima e a convivência no ambiente escolar, e possuem algumas iniciativas voltadas para questões como violência, bullying e racismo, mas ainda não estão no nível máximo (“muito estruturado”) – patamar atingido por apenas oito redes (4,1%). 17,3% delas, que correspondem a 34 secretarias, estão em um grupo intermediário, classificado como “estruturado”. O trabalho avaliou 196 secretarias de educação nas cinco regiões do país.

À tarde, no painel “Pesquisa, educação integral e desigualdades”, Ricardo Paes de Barros, do Insper,  Roberta Biondi, do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Economia Social da FEA-RP/USP – Lepes e Daniel Duque, pesquisador do Neri/Insper e da Norwegian School of Economics, abordaram a educação integral sob as lentes da equidade, a partir dos achados de suas pesquisas. A mediação foi de Carolina Ilídia, gerente de educação da Fundação Lemann.

Paes de Barros, defende que a escola de tempo integral combate a desigualdade de oportunidades dos estudantes. “A educação integral reduz a desigualdade e aumenta a escolaridade, garantindo maior melhora no desempenho para quem sabe menos. Temos que começar melhorando de baixo para cima, primeiro com as escolas que têm pior desempenho e depois para as de melhor desempenho”. Roberta Biondi, que participou do painel, corrobora com o pesquisador: “É preciso pensar em uma política estruturada e são as pesquisas que vão embasar as políticas públicas. Talvez o Ceará tenha reduzido a desigualdade por ter começado com as escolas que tinham maior desigualdade”.

Em seguida, na mesa “Parcerias para fomentar pesquisa aplicada e promover equidade: cenário e oportunidades”, Kátia Schweickardt, secretária de Educação Básica no Ministério da Educação (MEC), Iara Rolnik, diretora de programas no Instituto Ibirapitanga, e Silvia Aguião, pesquisadora do Afrocebrap, com mediação de Paulo Blikstein, professor na Universidade de Columbia e diretor do Transformative Learning Technologies Lab, do Lemann Center for Brazilian Studies e da Iniciativa Paulo Freire, abordaram sobre como realizar, investir e utilizar pesquisa aplicada na tomada de decisão.

Kátia Schweickardt defendeu que o Brasil precisa medir o combate à desigualdade. "Nossa grande chaga é que nos organizamos enquanto país como uma sociedade racista. É preciso criar um indicador de equidade, que faça as escolas terem um avanço nos próximos anos".

Iara Rolnik destacou o papel das fundações e instituições do investimento social privado para o avanço da pesquisa aplicada à educação com foco em equidade. “É necessário que mais fundações se juntem no esforço de apoiar institucionalmente as organizações e núcleos universitários dedicados exclusivamente às pesquisas aplicadas dedicadas às desigualdades, já que os financiadores públicos não priorizam a temática”.

Para encerrar as exposições, José Francisco Soares, professor emérito da UFMG, Priscilla Bacalhau, pesquisadora da Escola de Economia da FGV e colunista da Folha de S.Paulo, além de Guilherme Lichand, pesquisador da Universidade de Stanford, realizaram o painel “Dados e indicadores para promover equidade”, com mediação de Eloya Rocha, coordenadora de equidade racial da Fundação Lemann. Para José Francisco Soares, em um país como o Brasil, é necessário falar sobre desigualdade. O pesquisador ressalta que raça e gênero não são suficientes no país para um retrato das escolas: é necessário também o viés socioeconômico. “Se não há aprendizado, não há direito. É preciso colocar a desigualdade no indicador e no centro do debate”.

Guilherme Lichand indica que pesquisas censitárias nacionais podem ter um avanço rápido e efetivo ao reconhecer melhor seus estudantes e se aproximar do chão da escola. De acordo com o pesquisador, isso se dá devido à coleta de dados grandes como o Censo Escolar serem feitas a partir de heteroidentificação, com pouca consulta ao aluno em relação à sua raça ou possibilidade de apresentar deficiência ou transtorno educacional. “No final, alunos são invisibilizados sem esses dados”, afirma.

O encontro reuniu mais de 300 pesquisadores, comunicadores, lideranças nacionais e internacionais, especialistas em educação e em equidade e investidores em pesquisa aplicada dos setores público e privado.

Ajude o Correio a continuar e a melhorar: Apoia.Se | Catarse | Benfeitoria | Vakinha