A desconstrução do poder: de 'Dom Casmurro' à cotas de gênero

A desconstrução do poder: de 'Dom Casmurro' à cotas de gênero

*Por Júlia Matos

No romance de Machado de Assis, Bento Santiago (Bentinho) apresenta sua versão dos acontecimentos, especialmente em relação à sua esposa Capitu. A desconfiança e o ciúme de Bentinho moldam a percepção dos leitores, questionando a veracidade da narrativa. Este controle unilateral sobre a história pode ser comparado às estruturas políticas dominadas por homens, que historicamente têm excluído as mulheres de posições de poder e influência. Assim como a desconfiança de Bentinho impede Capitu de viver plenamente, a desconfiança da sociedade na capacidade das mulheres nos impede de evoluir.

Da mesma forma que Bentinho desconfia de Capitu, a sociedade frequentemente duvida da capacidade das mulheres de exercerem funções políticas de alto nível. As cotas de gênero visam corrigir essa desconfiança estrutural, garantindo que as mulheres tenham oportunidades justas de participação política. Este mecanismo não apenas promove a inclusão, mas também desafia a narrativa dominante que perpetua a exclusão feminina. A sociedade precisa superar essa desconfiança para que possamos avançar.

As cotas de gênero são uma ferramenta essencial para a redistribuição do poder político. Elas asseguram que as vozes e perspectivas das mulheres sejam representadas e consideradas na tomada de decisões. Assim como uma leitura crítica de "Dom Casmurro" revela a injustiça na percepção de Bentinho, as cotas expõem e corrigem a injustiça estrutural nas políticas eleitorais. Garantir a inclusão feminina na política é fundamental para desmontar as barreiras que impedem nosso progresso como sociedade.

A inclusão de mulheres na política através das cotas é uma questão de justiça social. A diversidade de gênero nas esferas de poder resulta em decisões mais representativas e equitativas, refletindo melhor a sociedade como um todo. Assim como Capitu merece ser vista além da perspectiva limitada de Bentinho, as mulheres merecem ser representadas além dos estereótipos e preconceitos que ainda existem na política. A confiança na capacidade das mulheres é essencial para uma democracia verdadeiramente inclusiva.

Desconstruir narrativas dominantes é crucial tanto na literatura quanto na política. "Dom Casmurro" nos ensina sobre os perigos de uma única perspectiva controladora, enquanto as cotas de gênero nos mostram o caminho para uma representação mais justa e inclusiva. Ao defender as cotas de gênero, promovemos uma sociedade onde todos tenham voz e participação, garantindo um futuro mais equitativo e democrático. Precisamos superar a desconfiança para avançar como sociedade e garantir que todos tenham a oportunidade de contribuir plenamente.

(*) Advogada Eleitoralista.