O papel da mulher no mercado de trabalho: vivências, números e reflexões

O papel da mulher no mercado de trabalho: vivências, números e reflexões

*Por Nycolle Soares de Araújo

Tempos atrás, ao encontrar com uma pessoa conhecida, mencionei sobre uma viagem que faria e fui questionada se um dos meus sócios haveria “deixado” que eu viajasse. Devolvi a pergunta com uma risada. Fiquei me perguntando se eu fizesse parte de uma sociedade apenas de mulheres se essa pergunta existiria? Alguma das minhas sócias teria que autorizar uma viagem da sua Diretora Executiva?

Ao longo dos últimos anos, participei de reuniões em que sendo a única mulher as atribuições dadas a mim eram a de secretária, ainda que eu estivesse ali como sócia. Em audiências, não raro isso também acontece: apenas homens em todas as posições e, eventualmente, uma estagiária. Como gestora e Diretora Executiva, a dificuldade é ter me tornado a pessoa que toma as decisões. Ser a dona da última palavra parece ser algo inacreditável para muitos. Do mesmo modo que muitas pessoas validam a narrativa de que não existem diferenças de oportunidades e tratamento no mercado de trabalho entre homens e mulheres, poderia usar todas as minhas vivências para fazer o mesmo. No entanto, o que encerra a discussão são os números.

Mulheres ocupam menos cargos de liderança, menos espaço na política, ganham menos. Ao passo que ocupam em maioria os postos de trabalho relacionados ao cuidado que, por “coincidência”, são sempre as atividades com menor remuneração. A maior parte das pessoas pobres do mundo são mulheres e crianças. A maternidade é um “golpe” na carreira feminina, representando a total saída do mercado para muitas mulheres ou uma redução substancial do valor de sua remuneração. Na América do Sul, esse fenômeno é ainda mais acentuado.

Estudo da Talenses Group e do Insper, “Panorama Mulheres 2023”, identificou que as mulheres representam 21% dos membros dos conselhos administrativos e 17% das CEO das empresas brasileiras. Alguns números são interessantes: o estudo aponta, por exemplo, que quando a presidência de uma empresa é ocupada por uma mulher, a presença feminina aumenta em pelo menos duas vezes em todos os cargos de liderança. Prova de que abrir espaços é um fator multiplicador.

Talvez o grande ponto, atualmente, seja reconhecer que os direitos foram conquistados, mas que não temos plenas condições de usufrui-los. Um exemplo simples é o de ir e vir. Os números também não mentem ao apontarem a enorme quantidade de crimes contra a mulher, que nos coloca enquanto país entre os mais perigosos para viajantes mulheres, inclusive. Mais uma vez, aparentemente, estaríamos falando de um extremo, o que não é verdade. Essas restrições “invisíveis” se tornam limitações diárias que dificultam e em muitos casos impedem que as mulheres possam ascender em suas carreiras, caso queiram.

São invisíveis também as dificuldades daquelas que insistem nesse percurso. Para isso, não há números exatos. Pessoalmente, pertenço a um pequeno grupo de mulheres que são sócias e diretoras nos negócios em que fazem parte. Grupo esse que acaba sendo privilegiado, mas que mesmo assim não nos exime da condição de mulheres. Em uma pesquisa realizada pela Revista Trimestral de Psicologia Feminina (Womens Psychology Quarter), uma das conclusões fora de que, por serem consideradas emotivas, as mulheres têm sua credibilidade reduzida, o que diminui a legitimidade de seus argumentos. O mesmo não acontece com os homens.

O incômodo em ter que falar sobre esse tema é o grande desafio para que consigamos continuar evoluindo. Enfrentar o desconforto de ter que lembrar que esses problemas ainda existem e continuam sendo elementos que dificultam ou impedem mulheres de alcançar seus objetivos é o que precisamos fazer para que os ganhos do caminho não sejam comprometidos. A diferença é que além de falarmos sobre, temos a possibilidade de ocuparmos os espaços e continuarmos multiplicando a presença. Seguiremos, ocupando e multiplicando, sempre.

(*) Advogada, sócia e CEO do Lara Martins Advogados.