Vírus do Passado: descoberta em ossos neandertais pode rescrever a história das pandemias

Estudo liderado pelo Centro de Bioinformática Médica da UNIFESP revela vírus ancestrais em restos de 50 mil anos e abre novas fronteiras na compreensão das doenças humanas antigas e modernas

Vírus do Passado: descoberta em ossos neandertais pode rescrever a história das pandemias

Cientistas “desenterraram” algo surpreendente dentro dos ossos de Neandertais de 50.000 anos: vestígios de três vírus que continuam a afetar a humanidade hoje. Esta descoberta revolucionária foi realizada por uma equipe de pesquisadores liderada pelo Prof. Dr. Marcelo Briones do Centro de Bioinformática Médica, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), cujo estudo sugere que esses antigos vírus podem ser recriados em laboratório para estudos mais aprofundados. Utilizando técnicas avançadas de bioinformática, esta é a primeira vez que um trabalho de pesquisa da Unifesp ganha destaque na New Scientist, uma das maiores revistas de divulgação científica do mundo.

Os restos de genomas virais encontrados nos esqueletos de dois Neandertais da Caverna Chagyrskaya, na Rússia, incluem o adenovírus, que hoje causa sintomas de resfriado; o herpesvírus, responsável por herpes labial; e o papilomavírus, que pode levar a verrugas genitais e câncer. Estes são os vírus humanos mais antigos já descobertos, ultrapassando um vírus de 31.000 anos encontrado anteriormente em dentes de Homo sapiens na Sibéria.

A equipe de Briones, que incluiu a bióloga Renata Carmona, o matemático Fernando Antoneli e o recém-formado Gustavo Alves, utilizou comparações genéticas meticulosas para descartar a possibilidade de contaminação dos vírus por humanos modernos que manipularam os restos ou por predadores que se alimentaram deles. "Nossos dados indicam que esses vírus realmente infectaram os Neandertais", afirma Briones.

Esta pesquisa não apenas fornece uma visão sobre as doenças que podem ter afetado nossos parentes humanos extintos, mas também levanta a possibilidade intrigante de que vírus possam ter desempenhado um papel na extinção dos Neandertais. Ainda assim, Briones adverte que, embora os resultados sejam sugestivos, mais provas seriam necessárias para confirmar essa hipótese.

A complexidade dessa pesquisa é ampliada pelo desafio de recriar esses vírus antigos. Sally Wasef, da Universidade de Tecnologia de Queensland, na Austrália, aponta que, embora a ideia seja fascinante, a execução é complicada devido à degradação do DNA viral e à dificuldade de reconstruir um genoma viral completo a partir de fragmentos recuperados. Além disso, a interação entre o vírus e o hospedeiro em um ambiente totalmente diferente representa um obstáculo significativo. No entanto, a infecção cruzada entre diferentes espécies de primatas por esses vírus sugere que a infecção de células atuais com os vírus de Neandertais seja factível.

Esta descoberta não só expande nosso entendimento da evolução viral e das doenças ao longo da história humana, mas também pode abrir caminhos para o desenvolvimento de novas abordagens médicas, especialmente no que diz respeito a vacinas e tratamentos antivirais. Conforme o campo da virologia antiga se expande, espera-se que mais revelações sobre doenças do passado ajudem a informar nossa compreensão das doenças modernas e a melhorar nossa capacidade de combatê-las”, explica o Prof. Briones, ressaltando a importância da descoberta.

Para os interessados o artigo científico original está entitulado: Reconstructing prehistoric viral genomes from Neanderthal sequencing data; Renata C. Ferreira, Gustavo V. Alves, Marcello Ramon, Fernando Antoneli, Marcelo R. S. Briones. bioRxiv E disponível em: https://doi.org/10.1101/2023.03.16.532919.