Uma solução ou desafio?

Advogada trabalhista explica a questão do contrato intermitente de trabalho

Por Redação em 01/02/2025 às 11:54:26

Por Gabriella Maragno*

Em dezembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu uma decisão de grande relevância ao declarar a constitucionalidade do trabalho intermitente, modalidade instituĂ­da pela Reforma Trabalhista de 2017. O julgamento traz segurança jurĂ­dica para empresas e trabalhadores informais, mas tambĂ©m reacende debates sobre os limites da flexibilização das relações de trabalho no Brasil.

O contrato de trabalho intermitente, previsto no artigo 443, §3Âș da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), Ă© caracterizado pela alternância entre perĂ­odos de prestação de serviços e inatividade, de acordo com a demanda do empregador. Essa modalidade oferece uma alternativa formal para atividades que antes eram realizadas na informalidade, mas exige uma anĂĄlise cuidadosa para compreender seus impactos prĂĄticos.

Solução ou desafio?

A decisão do STF valida a contratação de trabalhadores que exercem suas atividades de forma informal, garantindo direitos como 13Âș salĂĄrio, fĂ©rias + 1/3, repouso semanal remunerado, recolhimento de INSS e FGTS. Para as empresas, o modelo permite ajustar a força de trabalho à sazonalidade, reduzindo custos fixos.

Contudo, a aplicação prĂĄtica do contrato intermitente traz desafios. Diferentemente do contrato tradicional, em que o trabalhador possui uma remuneração fixa e previsĂ­vel, o intermitente não oferece garantias mĂ­nimas de jornada ou renda, gerando insegurança financeira para os empregados.

AlĂ©m disso, essa modalidade exclui o acesso a certos benefĂ­cios, como o seguro-desemprego, e prevĂȘ o encerramento automĂĄtico do vĂ­nculo caso o trabalhador não seja convocado por mais de um ano. A decisão do STF reforça a necessidade de observância rigorosa às regras do contrato intermitente. Para os empregadores, Ă© essencial garantir que:

  1. O contrato seja formalizado por escrito, registrado em carteira de trabalho e no E-social, contendo o valor da hora de trabalho;
  2. A remuneração respeite o valor da hora de trabalho com base no salĂĄrio-mĂ­nimo e piso da categoria;
  3. Os pagamentos sejam feitos imediatamente após o tĂ©rmino de cada perĂ­odo trabalhado, incluindo direitos proporcionais.

Estudos recentes indicam que o trabalho intermitente ainda Ă© pouco representativo no mercado formal, correspondendo a pouco menos de 10% dos vĂ­nculos registrados. No entanto, desde sua regulamentação, houve um aumento de ações judiciais questionando sua aplicação. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontam um crescimento de 116% nos processos sobre o tema entre 2021 e 2023.

Um futuro com estabilidade?

A decisão do STF consolida o trabalho intermitente como uma alternativa vĂĄlida, mas não elimina as crĂ­ticas.

A decisão do STF foi proferida face às Ações Diretas de Inconstitucionalidade ajuizadas por sindicatos que em defesa dos trabalhadores argumentam que o contrato intermitente propicia a precarização da relação de emprego e funciona como justificativa para o pagamento de salĂĄrios inferiores ao mĂ­nimo assegurado constitucionalmente.

Apontam, ainda, impedimento à organização coletiva, o que viola o direito social fundamental de organização sindical, pois os trabalhadores admitidos nessa modalidade podem atuar em diversas atividades.

No julgamento, alguns Ministros em seu voto vencido, defenderam que para que essa modalidade de relação trabalhista seja vĂĄlida, Ă© necessĂĄrio que se assegure a proteção aos direitos fundamentais trabalhistas, como a garantia de remuneração não inferior ao salĂĄrio-mĂ­nimo. Nesse sentido, fundamentam que o trabalho intermitente na forma da reforma da CLT, Ă© insuficiente para proteger os direitos fundamentais sociais trabalhistas, pois não fixa horas mĂ­nimas de trabalho nem rendimentos mĂ­nimos, ainda que estimados.

Todavia, hĂĄ quem defenda a importância da modalidade de trabalho intermitente para setores com demandas sazonais, como comĂ©rcio e eventos.

O trabalho intermitente Ă©, sem dĂșvida, um reflexo das mudanças no mercado e das demandas por maior flexibilidade nas relações laborais. Mas, em contrapartida, possibilita que as empresas utilizem a modalidade de trabalho como manobra para reduzir custos, uma vez que podem dispensar o empregado e o recontratar como trabalhador intermitente imediatamente.

Apesar de serem pagos todos os direitos ao trabalhador de forma proporcional ao final da prestação de serviços, não hĂĄ obrigatoriedade de convocação do empregado ou fixação de um salĂĄrio-mĂ­nimo e jornada de trabalho, o que precariza a relação de trabalho.

Para que o modelo funcione dentro da constitucionalidade, os empregadores e trabalhadores precisam conhecer e cumprir suas obrigações. AlĂ©m disso, o acompanhamento sindical e a fiscalização pelo MinistĂ©rio do Trabalho podem auxiliar a questão.

A consolidação do trabalho intermitente depende de um equilĂ­brio que não sacrifique a proteção social em prol de uma maior liberdade contratual.


(*) Advogada trabalhista em Aparecido InĂĄcio e Pereira Advogados Associados.


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Tags:   Opinião
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