Dever legal além dos laços biológicos

Relação só é reconhecida quando há provas robustas de que o padrasto ou madrasta assumiu o papel parental

Por Redação em 23/01/2025 às 11:41:22

Segundo levantamento do IBGE, mais de 1/3 das famĂ­lias no Brasil são compostas por arranjos não tradicionais, o que evidencia a necessidade de adequar o Direito às novas dinâmicas familiares. Nesse contexto, a pensão socioafetiva ganha relevância nos tribunais brasileiros, refletindo a evolução das relações familiares contemporâneas e reconhecendo que vĂ­nculos de afeto podem gerar obrigações legais equivalentes às dos laços biológicos.

Embora não haja menção direta à pensão socioafetiva no Código Civil, os artigos 1.694 a 1.710, que tratam da obrigação alimentar, são usados como base para a anĂĄlise de casos. AlĂ©m disso, o princĂ­pio do melhor interesse da criança, consagrado no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), reforça o entendimento de que o vĂ­nculo afetivo pode fundamentar a prestação de alimentos, desde que comprovada a dependĂȘncia e a convivĂȘncia estĂĄvel.  

De acordo com a advogada Tatiana Naumann, especialista em Direito de FamĂ­lias e Sucessões do escritório Albuquerque e Melo Advogados, a pensão socioafetiva Ă© fundamentada no reconhecimento de vĂ­nculos familiares que vão alĂ©m da biologia. "Quando um padrasto ou madrasta assume, de forma pĂșblica e constante, o papel de pai ou mãe, oferecendo suporte emocional, material e educacional a uma criança ou adolescente, isso pode gerar direitos e deveres recĂ­procos. Entre eles, a obrigação de prestar alimentos", explica Naumann. 

Tribunais em todo o paĂ­s, incluindo o Superior Tribunal de Justiça (STJ), tĂȘm se debruçado sobre o tema, reconhecendo a socioafetividade como geradora de responsabilidades jurĂ­dicas. Naumann esclarece que "a relação socioafetiva só Ă© reconhecida quando hĂĄ provas robustas de que o padrasto ou madrasta assumiu, de forma inequĂ­voca, o papel parental, garantindo cuidados, suporte emocional e material". 

Em abril do ano passado, uma comissão de juristas presidida pelo ministro LuĂ­s Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), apresentou ao Senado uma proposta de atualização do Código Civil. Este texto, se aprovado, passa a reconhecer expressamente a multiparentalidade socioafetiva, ou seja, a possibilidade de reconhecimento de mais de um vĂ­nculo paterno ou materno - e coloca no texto da lei os direitos e deveres de pais e mães socioafetivos. Mas a atualização ainda não começou a tramitar. 

Para Vanessa Paiva, especialista em Direito de FamĂ­lias e Sucessões do escritório Albuquerque e Melo Advogados, "paĂ­ses como França e Reino Unido, com legislações avançadas sobre socioafetividade, podem servir de inspiração para o Brasil, oferecendo modelos de inclusão e proteção jurĂ­dica a famĂ­lias diversas, o que pode aprimorar o reconhecimento de vĂ­nculos não biológicos e garantir maior segurança jurĂ­dica no paĂ­s", mesmo com muitas informações que circulam de forma distorcida, causando confusão.  

Um exemplo frequente Ă© a ideia de que todo padrasto ou madrasta estaria automaticamente obrigado a pagar pensão alimentĂ­cia. Naumann esclarece: "O vĂ­nculo socioafetivo precisa ser comprovado. Não se trata de uma obrigação automĂĄtica. Cada caso exige anĂĄlise individualizada, considerando a intensidade e a estabilidade da relação". 


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