Doador Anônimo viabiliza a restauração de mural de Cláudio Pastro em Paróquia na Capital

O mural, que estava em risco de ser apagado devido a uma reforma, foi restaurado graças ao trabalho de uma equipe formada por uma doutoranda em teologia, um monge beneditino, um artista sacro e uma arquiteta restauradora

Por Redação em 09/12/2024 às 15:02:57
Um dos maiores nomes da arte sacra brasileira, Cláudio Pastro, deixou um legado de inestimável valor cultural e religioso. Uma de suas obras, localizada na Paróquia Nossa Senhora da Esperança, em Moema, na Zona Sul da Capital Paulista, foi recentemente restaurada graças ao esforço de um grupo multidisciplinar e ao apoio de um doador anônimo, admirador do artista. A restauração destacou a importância de preservar o patrimônio religioso, um reflexo da história e da identidade de uma comunidade. Uma reforma inicial da paróquia estava programada para eliminar a obra de Pastro; mas, felizmente, graças à intervenção da equipe de restauração e à doação anônima que garantiu o financiamento necessário, foi possível iniciar o processo de recuperação.

A paróquia abriga um painel monumental, criado por Cláudio Pastro na década de 1990, que une iconografia cristã e referências históricas brasileiras. A obra foi concebida durante uma reforma litúrgica liderada pelo então pároco, Padre Samuel, que buscava transformar o espaço, até então uma quadra de esportes adaptada, em uma igreja digna do culto e da beleza litúrgica. "Era tudo muito precário e sem beleza. A busca por Cláudio Pastro ocorreu porque ele era a principal referência em arte sacra no Brasil, alguém que prezava pelo belo e entendia a função evangelizadora da liturgia", explicou Padre Samuel, mestre em Teologia Sistemática pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e presbítero da Diocese de Santo Amaro.
 
No painel restaurado, diversos elementos destacam o simbolismo cristão. No centro está Cristo Pantocrator, o "sol nascente que nos veio visitar", envolto por um sol e com raios que remetem à universalidade de sua realeza. Detalhes como as sete estrelas, as lâmpadas e a árvore da vida reforçam a simbologia bíblica. A composição ainda traz referências históricas, como Frei Henrique de Coimbra e Pedro Álvares Cabral, que conduzem a celebração da primeira missa no Brasil.

Segundo Dom Marcelo, artesão sacro e especialista em arquitetura e arte sacras, o painel centraliza Cristo como o Senhor da História e Luz dos Povos, destacando o encontro do Evangelho com os povos originários do Brasil. Essa visão histórica e litúrgica é uma característica essencial da obra de Pastro.

A importância de preservar obras como a de Cláudio Pastro transcende a questão estética, sendo um compromisso com a memória e a educação do olhar para o belo. "Preservar sua obra não é apenas manter viva a memória do artista, mas também daqueles que contribuíram para embelezar nossas igrejas. Ele é o maior nome da arte sacra entre nós, reconhecido mundialmente. Como ele dizia, gosto se educa, e nosso povo precisa dessa educação para o belo", afirmou Padre Samuel.
 
Segundo a arquiteta e conservadora-restauradora Silvana Borges, uma das encarregadas da restauração, preservar a arte religiosa é, acima de tudo, manter viva a história e a identidade cultural do Brasil. "Lidar com o patrimônio religioso é preservar a nossa história. Trinta por cento de todos os bens tombados pelo IPHAN pertencem à Igreja Católica. E, mesmo quando não se trata de bens tombados, a CNBB recomenda a conservação dessas obras como patrimônio cultural", explica. 
 
A doutoranda em Teologia Christiane Meier reforça a necessidade de proteger bens culturais, independentemente de gostos ou crenças pessoais. "Todo brasileiro tem o dever de preservar bens culturais, gostando ou não, sendo de sua religião ou não. É crime depredar ou destruir um bem cultural," afirma. Meier também compara a destruição de obras de arte ao apagamento da memória histórica, ressaltando que, ao eliminar um monumento ou mural, perde-se a oportunidade de educar gerações futuras. "Preservar as obras de Cláudio Pastro é um dever não apenas da comunidade paroquial, mas de toda a sociedade brasileira. Sua arte é um testemunho de nossa história e fé, com alcance que vai muito além das fronteiras do país".
 
Quando a equipe de restauração, liderada por Silvana, Romolo e Dom Marcelo, chegou à Paróquia, a situação da obra de Cláudio Pastro era preocupante. Durante as obras, o mural sofreu com respingos de tinta acrílica, escorrimentos e resíduos de massa, comprometendo sua integridade. Além disso, o forro de gesso que cobria parte do mural, incluindo a figura da "mão direita" de Deus, foi um obstáculo adicional, já que impediu a visualização completa de algumas partes da obra.

Romolo destacou ainda a situação crítica do vitral da rosácea, que representa o Cordeiro. Sem um vidro de proteção, a estrutura estava abaulada, com risco de colapso e partes quebradas. Para Romolo, era essencial preservar a obra sem alterações, respeitando a intenção original de Pastro.

A restauração envolveu limpeza mecânica a seco e química, seguida de aplicação de solução consolidante para restaurar a saturação das cores. A equipe realizou a reintegração cromática em áreas onde a tinta havia se desprendido. A restauração foi concluída em cinco dias, com uma equipe dedicada formada por Silvana, Romolo e Dom Marcelo.
 
Já o vitral, projetado por Pastro, foi recuperado com a ajuda da empresa D'Falco, especialista em vitrais. Sob a coordenação de Romolo, a peça foi removida, limpa, estruturada e protegida com vidro especial, garantindo sua durabilidade e segurança. O processo levou pouco mais de um mês, culminando na reinstalação da obra em perfeitas condições.
 
Todo o trabalho foi concluído em 15 de novembro, enquanto o vitral foi reinstalado semanas depois, devolvendo à comunidade um espaço litúrgico que reflete a profundidade espiritual e a maestria artística de Cláudio Pastro. Segundo Silvana, este processo evidenciou a necessidade de conscientização contínua sobre a preservação do patrimônio sacro, não apenas como um legado artístico, mas como parte da identidade cultural e espiritual brasileira.


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