Batalhões com maior letalidade policial terão prioridade no uso de câmeras corporais no estado

Em acordo no STF entre Defensoria Pública, Ministério Público e governo de SP, também fica determinado que câmeras serão acionadas automaticamente de forma remota em grandes operações e incursões em comunidades vulneráveis

Por Redação em 08/05/2025 às 22:27:21

Em acordo homologado pelo Supremo Tribunal Federal nesta quinta (08), ficou definido que batalhões com maiores Ă­ndices de letalidade policial terão prioridade no recebimento e utilização de câmeras operacionais portĂĄteis (COP"s).

AlĂ©m disso, a utilização de câmeras corporais serĂĄ obrigatória em operações policiais militares de grande envergadurabem como nas ações em comunidades vulnerĂĄveis ou em resposta a ataques praticados contra policiais militares. Nestas ocasiões, o acionamento das câmeras serĂĄ feito automaticamente e de forma remota pelo Centro de Operações da PolĂ­cia Militar (COPOM), assegurando, na prĂĄtica, a gravação contĂ­nua e ininterrupta das ações.

Caso seja preciso deslocar tropas para realização dessas operações, serão alocados preferencialmente policiais militares que portem COPs e, em caso de não atendimento desta regra, a motivação deve indicar razões tĂ©cnicas, operacionais e/ou administrativas.

O acordo ainda prevĂȘ o aumento do nĂșmero de câmeras corporais em operação, que passarĂĄ de 10.025 para 15.000 dispositivos. A alocação serĂĄ realizada na ordem de 80% (oitenta por cento) do nĂșmero total de COPs, conforme a matriz de risco, para cobrir integralmente as unidades de alta e mĂ©dia letalidade. AlĂ©m disso, foram incorporados avanços tecnológicos que impedem o desligamento manual das gravações e garantem acionamentos automĂĄticos por bluetooth.

"Nosso compromisso Ă© seguir monitorando o cumprimento da polĂ­tica e atuando para ampliar a transparĂȘncia na segurança pĂșblica, sempre em defesa dos direitos da população", ressaltou a Defensora PĂșblica-Geral de São Paulo, Luciana Jordão. 

A Defensoria PĂșblica, por meio do NĂșcleo Especializado de Direitos Humanos (NCDH), teve papel central na obtenção desses avanços. Desde setembro de 2023, em parceria com a Conectas Direitos Humanos, adotou medidas extrajudiciais e judiciais para garantir o uso efetivo e ampliado das câmeras corporais, visando assegurar os direitos fundamentais da população e reduzir a letalidade policial.

O acordo foi alcançado após intensa atuação processual, apresentação de pesquisas, notas tĂ©cnicas e participação em audiĂȘncias de conciliação no STF. As tratativas contaram com a mediação do Gabinete da PresidĂȘncia do STF, NĂșcleo de Solução Consensual de Conflitos (NUSOL) e NĂșcleo de Processos Estruturais e Complexos (NUPEC). A homologação do acordo consolidou a legitimidade da Defensoria PĂșblica para atuar na construção de polĂ­ticas pĂșblicas destinadas à proteção dos direitos fundamentais de populações vulnerĂĄveis.

A partir de agora, a Defensoria PĂșblica de São Paulo participarĂĄ diretamente da construção dos indicadores de avaliação da polĂ­tica pĂșblica de câmeras corporais e dos mecanismos de monitoramento, assegurando o integral cumprimento das medidas acordadas.

"A atuação da Defensoria PĂșblica neste caso foi embasada em dados tĂ©cnicos e estudos que demonstram a importância das câmeras corporais para o controle do uso da força e maior transparĂȘncia das ações policiais. Esta atuação Ă© resultado da parceria estratĂ©gica com organizações da sociedade civil, como a Conectas Direitos Humanos e a Plataforma Justa, que colaboraram na produção de informações e na construção de uma atuação jurĂ­dica qualificada e comprometida com a proteção dos direitos fundamentais dos grupos vulnerĂĄveis", afirma Fernanda Balera, defensora pĂșblica e coordenadora do NĂșcleo Especializado de Direitos Humanos da Defensoria PĂșblica de São Paulo.

AlĂ©m disso, foi incorporada ao acordo a previsão de aperfeiçoamento do sistema disciplinar e educativo da PolĂ­cia Militar, com base em estudos e melhores prĂĄticas institucionais. A medida visa garantir que os protocolos de responsabilização e formação de policiais estejam alinhados às diretrizes da polĂ­tica de câmeras corporais e ao respeito aos direitos fundamentais.

TransparĂȘncia e Monitoramento

Pelo acordo, o Estado se compromete a desenvolver indicadores para monitorar e avaliar a efetividade das novas COPs (câmeras operacionais portĂĄteis), em diĂĄlogo com o MinistĂ©rio PĂșblico e a Defensoria PĂșblica do Estado de São Paulo. O Estado se compromete, ainda, a publicar relatórios de monitoramento e avaliação da polĂ­tica pĂșblica. 

O descumprimento de qualquer das clĂĄusulas previstas poderĂĄ ensejar nova provocação judicial e a resolução do acordo.

O que muda

 

Antes:

  • O uso de câmeras corporais era restrito a batalhões selecionados e não havia obrigatoriedade de uso em operações policiais militares de grande envergadura, bem como nas ações em comunidades vulnerĂĄveis ou em resposta a ataques praticados contra policiais militares
  • Não existiam hipóteses de acionamento remoto e automĂĄtico das câmeras corporais
  • Não existiam critĂ©rios para distribuição das câmeras corporais com base em Ă­ndices de letalidade policial
  • Havia baixa transparĂȘncia sobre os batalhões equipados e as imagens gravadas.
  • AusĂȘncia de indicadores para monitoramento da polĂ­tica pĂșblica

 

Com o Acordo:

  • Uso obrigatório de câmeras em operações de grande envergadura, incursões em comunidades vulnerĂĄveis e respostas a ataques a policiais.
  • Acionamento automĂĄtico-remoto e por supervisão em todas as ocorrĂȘncias recebidas pelo COPOM 
  • Acionamento obrigatório automĂĄtico-remoto via COPOM em todas as operações policiais
  • Novas funcionalidades de acionamentos automĂĄticos por proximidade das COPs via Bluetooth
  • Aumento do nĂșmero de câmeras para 15 mil dispositivos, com alocação prioritĂĄria nas ĂĄreas de maior risco de letalidade policial.
  • Impossibilidade de desligamento manual: reativação automĂĄtica da gravação em atĂ© um minuto, caso a câmera seja interrompida.
  • Formalização do acesso da Defensoria PĂșblica às imagens de câmeras corporais de forma extrajudicial.
  • Aperfeiçoamento das normas de uso das câmeras e maior transparĂȘncia na divulgação de informações sobre a polĂ­tica pĂșblica.
  • Aperfeiçoamento do sistema disciplinar e educativo da PolĂ­cia Militar, com base em melhores prĂĄticas institucionais e alinhamento aos princĂ­pios da polĂ­tica de câmeras corporais.
  • TransparĂȘncia e monitoramento: envio de relatórios trimestrais à Defensoria PĂșblica e ao MinistĂ©rio PĂșblico com base em indicadores construĂ­dos em conjunto.
  • TransparĂȘncia Ativa: publicação no portal da Secretaria da Segurança PĂșblica, junto aos dados do Programa Muralha Paulista, as informações de interesse pĂșblico sobre o uso de câmeras corporais portĂĄteis, inclusive as normas aplicĂĄveis à polĂ­tica pĂșblica

 

Histórico da Atuação e Debate sobre o Uso de Câmeras Corporais

  • Setembro de 2023: A Defensoria PĂșblica, em parceria com a Conectas Direitos Humanos, ingressa com Ação Civil PĂșblica (ACP nÂș 1057956-89.2023.8.26.0053) para exigir a utilização obrigatória de câmeras corporais em operações policiais em Santos, GuarujĂĄ e em operações para responder a ataques contra policiais em todo o Estado.

  • Setembro de 2023: Tutela de urgĂȘncia Ă© concedida pelo juĂ­zo de primeira instância, obrigando o uso das câmeras, mas Ă© posteriormente suspensa pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).

  • Dezembro de 2023: A Defensoria PĂșblica, o NCDH, a Conectas e a Plataforma Justa ingressam com pedido de Suspensão de Liminar no STF (SLS 1696/SP), buscando reverter a suspensão do TJSP. O STF reconhece a legitimidade da Defensoria para atuar no caso, mas inicialmente não acolhe o mĂ©rito, apostando na continuidade das polĂ­ticas de câmeras.

  • Abril de 2024: Diante do alarmante aumento da letalidade na Baixada Santista e a continuidade das operações policiais naquele território, Defensoria PĂșblica e Conectas apresentam pedido de reconsideração da decisão. Em 24 de abril, o Min. Barroso negou o pedido de reconsideração mas, reconheceu a importância da polĂ­tica de câmeras a dimensão estrutural do litĂ­gio, determinando que o processo passasse a ser acompanhado pelo NUPEC do STF.

  • Novembro de 2024: Diante da escalada da violĂȘncia policial e dos vĂĄrios episódios de grande repercussão, dentre eles a morte da criança RYAN de apenas 4 anos, por intervenção policial, o NCDH, Conectas e Plataforma Justa apresentam novo pedido de reconsideração ao STF.

  • Dezembro de 2024: O ministro LuĂ­s Roberto Barroso, reconhecendo retrocessos e risco à segurança pĂșblica, defere parcialmente o pedido e estabelece regras obrigatórias para o uso de câmeras, determina a manutenção do modelo de gravação ininterrupta atĂ© que seja comprovada a viabilidade tĂ©cnica dos novos mĂ©todos de acionamento e impõe, ainda, que sejam prestadas informações sobre a alocação das câmeras corporais e regulamentação dos processos disciplinares.

  • Abril a maio de 2025: Sob mediação do ministro Barroso, são realizadas trĂȘs audiĂȘncias de conciliação nos dias 24 e 29 de abril e 07 de maio de 2025, resultando no acordo que assegura avanços na polĂ­tica de câmeras corporais. Nestas audiĂȘncias tambĂ©m ficam definidos fluxos e indicadores de avaliação e mecanismos de monitoramento da polĂ­tica, com participação ativa da Defensoria PĂșblica de São Paulo.


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