Trancados no quarto, conectados ao mundo: o grito silencioso dos adolescentes

Nossa colunista chama a atenção para o impacto da série britânica mais falada entre os profissionais de saúde mental ultimamente

Por Redação em 11/04/2025 às 15:29:24

Por Juliana Conti*

Desde que a série Adolescência estreou na Netflix, muita gente tem me procurado com o coração apertado - pais, professores, até adolescentes. E não é para menos. A série escancara o que há anos a clínica vem nos mostrando: os adolescentes estão gritando, mas muitos adultos não conseguem ouvir.

Na minha escuta clínica, costumo dizer que o quarto do adolescente, hoje, não é mais um espaço de privacidade apenas - é também um território simbólico de abandono. Muitos pais acreditam que, por estarem dentro de casa, trancados no quarto, os filhos estão protegidos. Mas o que esses jovens têm consumido pela tela do celular ou do computador? Quem os escuta ali dentro? O que eles enfrentam sozinhos quando se deparam, por exemplo, com o consumo precoce de pornografia, com discursos violentos nas redes sociais ou com a expectativa de performar uma vida perfeita?

A série retrata com delicadeza, e também com dureza, como esse abandono não é físico - é emocional. É a ausência de um olhar, de uma escuta, de um adulto disponível. E, em paralelo, revela um outro abandono que também machuca: o escolar. O bullying, muitas vezes banalizado ou negligenciado, tem impactos psíquicos profundos. E quando não há um adulto para nomear o que está acontecendo, para acolher a dor e intervir com responsabilidade, o adolescente se recolhe ainda mais.

Outro ponto que me tocou foi a dificuldade que muitos adultos ainda têm de se conectar com a linguagem dos jovens. Eles se expressam por meio de gírias, memes, emojis, vídeos curtos. Isso não é desinteresse - é um novo jeito de construir vínculos e narrar o que sentem. Quando um adulto diz "isso é bobagem", "é só uma fase", ou "no meu tempo era diferente", cria-se um abismo que impede o diálogo. E sem diálogo, não há escuta, nem cuidado.

Como psicanalista, não busco culpados - busco compreender. E o que vejo é uma geração de adultos muitas vezes exausta, desorientada, tentando acertar, mas que também não foi ensinada a lidar com emoções. Por isso, o caminho é o da reconstrução: precisamos reaprender a nos comunicar com os adolescentes, a acompanhar sua dor, a nomear seus medos, e, sobretudo, a estar presentes - não como vigilantes, mas como referência afetiva.

A adolescência não é uma fase fácil. É um momento de travessia intensa, em que o sujeito busca se encontrar, enquanto o mundo cobra definições. Quando falta o olhar atento de um adulto que diga "eu vejo você", o adolescente se sente só - mesmo cercado de curtidas, seguidores e emojis de aprovação.

A série nos provoca, nos sacode. E se ela incomoda, é porque toca em algo real. Que possamos usar esse incômodo como ponto de partida para rever nossas presenças, nossas ausências e, principalmente, nossas escutas. Porque nenhum adolescente deveria ter que gritar em silêncio para ser notado.


(*) Psicóloga (CRP-SP 06/139348), Psicanalista, Sexóloga e Professora Universitária.


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